ATA DA DÉCIMA OITAVA SESSÃO SOLENE DA SEXTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA NONA LEGISLATURA, EM 12.05.1988.

 

 

Aos doze dias do mês de maio do ano de mil novecentos e oitenta e oito reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Décima Oitava Sessão Solene da Sexta Sessão Legislativa Ordinária da Nona Legislatura, destinada à entrega do Título Honorífico de Cidadã Emérita a Sra. Evelyn Berg Ioschpe, concedido através do Projeto de Resolução nº 07/87 (proc. nº 0761/87). Às dezessete horas e trinta e quatro minutos, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Ver. Brochado da Rocha, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Arq. Luiz Antônio Volcato Custódio, Diretor da 10ª Diretoria Regional da SPHAN; Rabino Alejandro Lilienthal, Rabino da Sociedade Israelita Brasileira; Ten. Cel. Eugênio Ferreira da Silva Filho, Comandante do 9º DPM, representando, neste ato, o Comandante-Geral da Brigada Militar, Cel. PM Jerônimo Carlos Braga; Depª Ecléa Fernandes; Sr. Abrão Faermann Sobrinho, Vice-Presidente da Confederação Israelita Brasileira; Sr.ª Evelyn Berg Ioschpe, Homenageada; Dr. Daniel Ioschpe, esposo da Homenageada; Ver. Rafael Santos, 2º Secretário da Casa. A seguir, o Sr. Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Ver. Flávio Coulon, em nome das Bancadas do PMDB e do PSB, discorreu sobre a importância da colaboração prestada pela homenageada à cultura gaúcha, ressaltando seu trabalho à testa do MARGS. Enfatizou o pioneirismo mostrado pela Sr.ª Evelyn Berg Ioschpe em ramos de trabalho predominantemente ocupados por homens, como são o jornalismo e o mercado de arte. E o Ver. Isaac Ainhorn, como proponente da Sessão e em nome das Bancadas do PDT, PDS, PT e PFL, teceu comentários sobre a vida da Sr.ª Evelyn Berg Ioschpe, dizendo que a presente solenidade é uma amostra do reconhecimento da Cidade a quem tanto tem trabalhado em prol do desenvolvimento cultural de Porto Alegre. A seguir, o Sr. Presidente convidou o Ver. Isaac Ainhorn a proceder à entrega do Troféu “Frade de Pedra” e procedeu à entrega do Título Honorífico de Cidadã Emérita a Sr.ª Evelyn Berg Ioschpe. Em continuidade, o Sr. Presidente concedeu a palavra a Sra. Evelyn Berg Ioschpe, que agradeceu a presente homenagem. Após, o Sr. Presidente fez pronunciamento alusivo à solenidade, convidou as autoridades e personalidades presentes a passarem à Sala da Presidência e, nada mais havendo a tratar, levantou os trabalhos às dezoito horas e doze minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária da próxima segunda-feira, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Ver. Brochado da Rocha e secretariados pelo Ver. Rafael Santos. Do que eu, Rafael Santos, 2º Secretário, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1ª Secretária.

 

 

O SR. PRESIDENTE: Declaro aberta a presente Sessão. Falarão em nome da Casa os Vereadores Flávio Coulon e Isaac Ainhorn.

Com a palavra o Ver. Flávio Coulon em nome da Bancada do PMDB com assento nesta Casa.

 

O SR. FLÁVIO COULON: Sr. Presidente, neste momento o nobre Líder da Bancada do PSB também me autoriza a falar em nome de sua Bancada. (Menciona os componentes da Mesa.) Minhas senhoras, meus senhores.

O que é a nossa vida, senão o somatório das lembranças que trazemos do passado? Aquilo que vivenciamos desde a infância, as coisas que aprendemos nos livros ou nos bancos escolares, tudo vai se somando de modo a compor o grande painel que é a História da Raça Humana. Ou em uma escala menor, a vida de cada um de nós. No passado reside a chave de todas as atitudes que tomamos no presente. Já faz parte do passado a Sessão em que esta Câmara aprovou a concessão do título de Cidadã Emérita a Evelyn Berg Ioschpe. Assim como faz parte do passado outra sessão, em que esta mesma Câmara acatou o veto do Prefeito a um Projeto que preservaria a memória histórica da cidade.

Foram duas sessões bem diferentes, com resultados praticamente opostos. Na primeira, decidiu-se homenagear a uma das mais ativas defensoras de nosso Patrimônio Histórico e Cultural. Na segunda, ameaçou-se a própria preservação deste patrimônio. Incoerência? Pode ser. Mas são justamente incoerências deste tipo que destacam o trabalho das grandes batalhadoras como Evelyn Berg Ioschpe. Pois é graças a pessoas como ela que a memória de nosso país e de nossa cidade não se perde, tombando ante à ambição do lucro fácil.

Evelyn sempre foi uma lutadora. Eu não estaria falando a verdade se dissesse que acompanho seus escritos desde os tempos em que estagiou no “O Estado de São Paulo”. Mas é com prazer que lembro de suas primeiras crônicas, publicada na “Folha da Tarde” e no “Correio do Povo” ao final da década de 60. São crônicas que, relidas, ajudam a traçar um painel preciso daquela época tão pródiga em transformações. São crônicas, também, que revelam a preocupação da jornalista emergente com a necessidade de incentivar a Cultura, em todas as suas formas de manifestação.

Creio poder afirmar que foi no jornalismo que Evelyn formou uma visão pluralista do mundo. Quer nas crônicas, quer nas grandes entrevistas e reportagens publicadas então pelo “Correio de Domingo”, ela foi aguçando a capacidade de perceber as nuances do fato cultural. Não por acaso, tornou-se uma das primeiras “agitadoras culturais” da cidade, antes mesmo desta expressão existir e virar moda. Ela sempre foi assim, pioneira. Quando se impôs no jornalismo, este ainda era uma profissão dominada pelos homens. Na redação do “Correio do Povo”, nos primeiros anos da década de 70, havia apenas quatro mulheres. Evelyn era uma delas. Superou os preconceitos e, com determinação e competência, ajudou a mudar este quadro. Em um estado conhecido por suas posições machistas, ajudou a abrir novas perspectivas para as mulheres. E, principalmente, a provar que a mulher pode, sim, ser bonita, charmosa, e ainda por cima competente. Deve ter ganho algumas inimizades, por isto. Mas não esmoreceu. Continuou na luta pelos ideais em que acredita, centralizando suas ações no ambiente cultural.

Quando, em março de 1983, seu nome foi indicado para assumir a direção do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, não fiquei surpreso. Apesar de não nos conhecermos pessoalmente, tinha certeza de que o então governador Jair Soares havia feito a escolha certa. O tempo mostrou ser isto verdade. Sob a orientação de Evelyn, o MARGS tornou-se um dos mais ativos pólos culturais do Estado. De um Museu freqüentado apenas por uns poucos, transformou-se em local de visitação constante. Melhor ainda: a experiência de administrar o MARGS levou Evelyn a se especializar na gestão de entidades similares. Membro do Comitê da Coordenadoria do Sistema Nacional de Museus, Membro do Comitê Internacional para a Educação e Ação Cultural do Conselho Internacional de Museus, com sede em Paris, e, agora, Presidente da Comissão Executiva do Projeto “Missões: 300 Anos”, Evelyn associou-se indelevelmente à luta pela proteção, de nossa Cultura.

Não por acaso, independente do partido no governo ela continua seu trabalho, dona de um espaço. A competência é um dom que extrapola os limites dos partidos. Quando um ideal é defendido com honestidade e convicção, recebe o apoio da maioria absoluta das pessoas. E aí só não posso dizer “de todas as pessoas” porque, na luta pela preservação de nosso patrimônio histórico e cultural, ainda enfrentamos algumas derrotas. Mas estas tenderão a ser cada vez mais raras. Na medida em que o exemplo de Evelyn frutificar, e que mais e mais pessoas perceberem a importância de sua luta, este quadro tenderá a mudar. Por isto a homenagem que hoje lhe prestamos é mais que justa. É fundamental.

Afinal, é no exemplo e na tenacidade de pessoas como tu, Evelyn, que encontramos força para prosseguir a luta. A luta para fazer de nossa Cidade, de nosso Estado, e de nosso País, lugares onde o passado seja preservado, para servir de exemplo a todas as gerações futuras. Lugares onde a Cultura esteja disponível ao acesso de todos. Lugares, onde pessoas como tu não sejam uma exceção que precisa e merece ser homenageada, ma sim a grande e saudável maioria. Lugares, enfim, onde todas as tardes sejam como essa de hoje, quando a sociedade estanca seu ritmo frenético e insensível para, cheia de carinho para com sua Cidadã Emérita, Evelyn Berg Ioschpe, dizer: Muito obrigado!

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra o Ver. Isaac Ainhorn, autor da proposição, que fala em nome da sua Banca, o PDT, e em nome do PDS, PT e PFL.

 

O SR. ISAAC AINHORN: (Menciona os componentes da Mesa.) Ocupo a tribuna, nesta tarde, falando em nome do meu Partido, o PDT, e em nome do PDS e do PFL, especialmente, por deferência dos Vereadores: Artur Zanella e Aranha Filho, que aqui se fazem presentes e que me outorgaram a condição de representação, também, em relação ao PFL que honra, esta tarde, esta Sessão Solene.

Minhas senhoras e meus senhores, amigos: Diz a lei, e a tradição desta Casa, que a concessão do título de Cidadão Emérito de Porto Alegre se dá em resposta ao reconhecimento por relevantes serviços prestados à cidade. Nada mais justo. E é por esta precípua razão que a jornalista e educadora Evelyn Berg Ioschpe está aqui, hoje conosco. Mas, mais ainda, do que a homenagem merecida – a qual foi por ela escavada, despretensiosamente, através de um profícuo trabalho em favor da comunidade – a Câmara Municipal coroa, hoje, um processo de resgate de uma dívida que não mais poderia ser adiado. Porque poucas vezes na história da nossa cidade, alguém se tornou tão acentuadamente credor no desenvolvimento da cultura, das artes e da educação.

Filha de imigrantes, Evelyn Berg Ioschpe nasceu em Porto Alegre, onde realizou seus estudos, formou-se em Jornalismo e Ciências Sociais, para, depois, freqüentar outros cursos no país e no exterior, a exemplo do Michigan Proficiency, cujo certificado a habilitou a lecionar língua e literatura inglesa no Brasil. Com um imenso currículo, repleto de aprendizado e de êxitos – a exemplo do primeiro lugar obtido no vestibular da Faculdade dos Meios de Comunicação Social – Evelyn Berg Ioschpe participou de inúmeros seminários e diplomou-se, igualmente, em Arte Brasileira do Século XX e Sociologia da Arte, entre outros.

Como jornalista exerceu atividades profissionais nos jornais “O Estado de São Pulo”, “Folha da Tarde”, “Correio do Povo”, “Zero Hora”, “Diário do Sul” e na revista “Manchete”. Viu publicadas várias obras de sua autoria, textos em catálogos e prefácios em trabalhos sobre nossos mais eminentes artistas intelectuais, como Wainberg, Paulo Conversa de Verão e Vasco Prado.

Seu belíssimo currículo, contudo, bem como sua incomensurável contribuição à cultura da cidade, não se esgota aí. Diretora do Museu de Artes do Rio Grande do Sul há quatro anos, deu àquela instituição uma nova estrutura e uma nova imagem, sem que nenhuma aresta possa, hoje, ali, ser aparada.

Evelyn Berg Ioschpe, no entanto, fez mais do que isto. Voltada para a vida cultural de sua cidade, cultivou com profunda dedicação sua mais autêntica identidade judaica, enfatizada pela iniciativa, planejamento e acompanhamento na criação da Entidade Comunitária Israelita Brasileira, mantenedora do Lar da Criança Anne Frank, que hoje abriga e protege cerca de 40 crianças do vizinho Município de Viamão. Sob esta mesma condição, e inspirada pelos mesmos ideais – invejáveis sem dúvida – foi conduzida à presidência do Instituto Marc Chagall, responsável pela vinda, a Porto Alegre, das mais significativas expressões artísticas, a exemplo do Quarteto de Cordas de Tel Aviv, que recentemente nos encantou.

Jamais divorciada das raízes culturais da terra que acolheu seus pais – e que é sua, por nascimento e meritória conquista – Evelyn Berg Ioschpe soube, de forma admirável, conciliar esta virtude com os laços que a unem à comunidade judaica, e, nesse sentido, tem desenvolvido projetos de prospecção histórica. Um deles busca resgatar a memória judaica na formação dos distritos de Quatro Irmãos e Philipson, no interior gaúcho, para onde emigraram os primeiros judeus que chegaram ao nosso Estado, no princípio do século e outro pretende resgatar a presença judaica no Bom Fim.

Haverá dívida maior, do que esta para com Evelyn Berg Ioschpe, e pela qual somos todos responsáveis? Haverá homenagem mais justa do que esta, que aqui se realiza? Seguramente não.

A identidade judaica de Evelyn – tantas vezes reiterada, tantas vezes comprovada – me suscita uma outra ponderação. A mim, que encerro, hoje, aqui na Câmara Municipal de Porto Alegre, um ciclo de minha vida política, e da qual me afasto em obediência à legislação eleitoral.

E não poderia, confesso, sentir-me mais feliz quando deste afastamento, ao poder conjugá-lo com o coroamento de minha última iniciativa nesta Casa, que coincide com a homenagem que todos prestamos. A ninguém mais homenageando eu poderia me sentir tão gratificado, numa expressão de sentimentos e de justiça que tenho certeza serem unânimes entre os parlamentares que aqui se encontram, entre os amigos de Evelyn Berg Ioschpe e no seio da comunidade que ela tão bem tem sabido servir.

Dotada de um currículo respeitável, de uma intensa atividade profissional e de uma indiscutível capacidade executiva, a homenageada recebe, hoje, nosso estímulo, nosso aplauso, nossos agradecimentos. Jovem, dinâmica, realizadora, ela recebe, também, de todos nós, a firme convicção que manifestamos em seu futuro, certamente pleno de novos empreendimentos, destinados, estes, a proporcionar dividendos que serão usufruídos por todos quantos têm compromisso com o saber.

Quero registrar aqui também a coincidência desta Sessão Solene com o Projeto presidido por Evelyn Berg Ioschpe que tivemos a oportunidade de acompanhar ontem a sua instalação “Missões 300 anos”. Evelyn Berg Ioschpe essa é a nossa mais sincera certeza de que o teu trabalho continuará em benefício da Cidade, que é exatamente o lugar concreto onde se vive. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Mesa convida o autor da proposição para fazer a entrega do Troféu Frade de Pedra, à nossa homenageada.

 

(O Sr. Isaac Ainhorn faz a entrega do Troféu.)

 

Neste momento, é com muita satisfação que passo às mãos da homenageada o diploma de Cidadã Emérita.

 

(É feita a entrega do Diploma.) (Palmas.)

 

É com muita honra que concedemos a palavra à nossa homenageada Evelyn Berg Ioschpe.

 

A SRA. EVELYN BERG IOSCHPE: (Menciona os componentes da Mesa.) Meus amigos. Confesso que é com certa perplexidade que me encontro hoje aqui, na Egrégia Câmara de Vereadores, para receber esta generosa homenagem proposta pelo Ver. Isaac Ainhorn. A perplexidade vem por conta não de uma falsa modéstia (pois a modéstia é, por definição falsa e, enquanto, falsa, é um não-valor), mas talvez pela relativamente breve vivência do bem público. Não cheguei ainda à casa dos quarenta e parece cedo, pois, fazer um balanço de meu trabalho e de minha contribuição às causas comunitárias. Na verdade, esta foi desde sempre a minha opção de vida e devo confessar que em nenhum momento de minha vida profissional tive outro interesse ou outra motivação que não os propostos pela comunidade com a qual interatuo. Este engajamento com a causa comunitária, não me era estranho: filha de imigrantes judeus alemães, convivi desde criança com a penosa história de perseguição nazista e com o trabalho de meu pai, Kurt Berg, membro da Juventude Socialista Alemã e responsável pela condução segura de centenas de judeus alemães para fora de seu país, para a segurança do exílio.

E é sobre o exílio que gostaria de falar, pois foram estes os pensamentos que me assaltaram quando recebi a comunicação do Presidente desta Casa, Ver. Geraldo Brochado da Rocha, de que a Câmara de Vereadores, por proposição do Ver. Isaac Ainhorn, me outorgaria o Título de Cidadã Emérita. Passada a perplexidade inicial, passei a refletir no que significa uma cidadania emérita, no papel que desempenha em nossas vidas, esta instituição que a outorga e a própria generosidade da outorga. Pensei, especialmente, na questão da Cidadania. Eu, que convivo desde o berço com a noção de que a Cidadania não é um bem líquido e certo, pois nasci justamente num lar em que as pessoas se reestruturavam para aprender uma nova língua, novos hábitos e uma nova cultura por terem sido brutalmente despojados de sua própria – eu aprendi desde muito cedo que o direito de Cidadania é uma conquista do aprimoramento das instituições políticas de uma Nação, aprendi que, mesmo numa nação desenvolvida e madura, como se esta nação fosse um corpo adulto e desenvolvido, através de um processo de desorganização celular – um câncer – pois mesmo numa nação assim desenvolvida, um câncer pode subitamente cassar este direito básico de cidadania, que nos parece inquestionável, mas não é.

Me perguntei, então: quem é afinal, o cidadão? A resposta parece óbvia: cidadão é aquele que goza o direito de cidade. O termo, que vem da antigüidade, quando a cidade era um verdadeiro estado, significa que, para ser membro deste estado e gozar das prerrogativas inerentes à qualidade de cidadão, era indispensável preencher certas condições estreitamente determinadas. Assim, em Roma, o Direito Civil, ou da cidade, era exclusivamente aplicado aos cidadãos romanos; os estrangeiros estavam sujeitos às prescrições do direito das gentes. A lei civil nem ao menos garantia os atos jurídicos, praticados sob o regime do direito das gentes; por isto, a cidadania representava um valor inapreciável.

Era sobre isto, exatamente, que gostaria de dizer uma ou duas palavras. O que pode o cidadão desejar mais, na vida, que o próprio direito de cidadania? O que pode o cidadão desejar mais que ser integralmente cidadão? Integralmente cidadão quer dizer, segundo Marshall, que o direito do cidadão é o direito à igualdade de oportunidade. É o direito de todos de mostrar e desenvolver diferenças ou desigualdades, o direito igual de ser reconhecido como desigual. Vejam bem: o direito igual de ser reconhecido como desigual. E de ser respeitado como desigual. Este é o caso das comunidades minoritárias, como a judaica. Não desejam renunciar às suas singularidades e não abrem mão de trazer o valioso aporte de sua participação.

Assim foi com o judeu alemão, presente desde sempre no processo histórico alemão, comemorando, com os 750 anos de Berlim, 750 anos de presença relevante. Cidadãos enraizados, fui encontrar, na lista dos maiores beneméritos da cultura alemã, nomes como o de Simon, que financiou as escavações alemãs no Egito e por cujo esforço foi descoberto o magnífico busto de Nefertiti, hoje atração principal do Museu Egípcio, em Berlim. É uma relíquia histórica e estética, que ombreia com a Vênus de Milo, que está no Louvre, em Paris. Pois Simon, que resgatou a Nefertiti, doando-a acervo da cultura alemã, é um dos nomes que se inscreve na longa lista dos chacinados nas câmaras de gás da II Grande Guerra. Não preciso buscar exemplos longe de mim: meu próprio avô, orgulhoso soldado alemão condecorado por atos de bravura na I Guerra Mundial, não consegui acreditar que o país, cuja cores defendeu no campo de batalha, o estaria perseguindo anos depois, na sanha hitlerista. Sucumbiu. E nem poderia ser diferente. Quando se fala desse período, tem-se a sensação de estar referindo o passado histórico, num processo um tanto mágico de um passado que não volta mais. É preciso dizer e redizer que não é assim, que há homens e mulheres, hoje, vivendo como cidadãos despossuídos de direitos de cidadania em países como a África do Sul; é preciso dizer que países estáveis e sólidos como a França viram crescer, de forma assustadora, o seu partido de direita, sob a liderança de Le Pen, chegando a ameaçar a estabilidade de uma eleição; e é preciso dizer, sobretudo, que aqui, ao nosso lado, no país vizinho, que é a Argentina, crescem em intensidade os movimentos fascistas e anti-semitas. Os judeus argentinos, muitos deles desaparecidos na Repressão, hoje sofrem ameaças veladas a seus direitos de cidadania. Como todo movimento ilegal e irracional, os movimentos fascistas são escorregadios e inconsistentes, sendo difícil tomá-los entre as mãos e denunciá-los. Vale repetir que o direito à cidadania é o principal de todos os direitos. Saber-me cidadã desta terra que recebeu meus pais, esta terra onde eu nasci e que eu aprendi a amar em cada pedra de seu calçamento, nas suas singularidades, em seu fértil ambiente cultural, onde as boas iniciativas vingam para quem acredita no chão em que pisa, é para mim, motivo da maior alegria. O fato de que os Senhores Vereadores tenham entendido explicitar, desta forma, o amor que me une a minha terra só faz crescer meu senso de responsabilidade. Quanto mais se intensificam os laços que me unem a esta terra, mais responsável me faço pelos seus caminhos. Quanto mais e melhor tivermos andado em nosso projeto de uma cidadania plena e pluralista, tanto mais cidadã e tanto mais responsável em minha cidadania me sentirei.

Quero agradecer a Flávio Coulon, a Isaac Ainhorn, a Geraldo Brochado da Rocha e aos ilustres políticos que integram o nosso Legislativo, pela honra que me conferem e que tomo como uma responsabilidade sempre crescente. Quero pedir, aqui, para fazer, também, um agradecimento emocionado aos amigos que hoje vejo neste Plenário, e que de alguma forma representam o substrato das minhas condições de doação à cidade. Minha família, microcosmo de meu ambiente social, os companheiros de trabalho do “Correio do Povo”, “Folha da Tarde”, “Estadão” e “Zero Hora”, Museu de Arte do Rio Grande do Sul, do CODEC, do Sistema Nacional de Museus, do gabinete da Primeira Dama, do SPHAN/Pró-Memória, da FUNARTE, da Universidade, do Lar da Criança Anne Frank e do Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, bem como os companheiros que comigo vem realizando “Missões: 300 anos”, a todos o meu sincero e sentido muito obrigada. Se mérito existe, é o de ter amigos como vocês. (Palmas.)

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: Os oradores falaram, em nome da Casa, e ficou bastante explicitado, por S. Exas., o longo espectro ideológico, mas sobretudo democrático, que se procura afanosamente em tempos tão conturbados para trazer à Câmara Municipal de Poro Alegre. Cada um aloca as suas próprias razões, os seus próprios sentimentos ao dizer o “sim”, ao dizer o “não”, ao propor ou ao não propor. Nós nos permitiríamos apenas evocar num País como o nosso, hoje longínquo, no ano de 1981, em que a homenageada prestava, naquele momento da História de Porto Alegre, um relevante serviço, trabalhando junto conosco e, de certa forma, nos organizando em um Seminário. Naquele momento não era fácil fazer, representando, naquela ocasião, o Movimento em Defesa da Cultura, exatamente, em maio de 1981, era muito difícil, como difícil é lidar com as coisas da arte, com as coisas do sentimento, com as coisas mais nobres. Trouxe ela, naquela ocasião, material importante que, de certa forma, mudou os rumos desta Casa, como Casa, e como direcionamento para os nossos ensinamentos em direção à cidade. Com muita liberdade, trazendo para Casa um cem número de pessoas que discutiam a cultura na cidade de Porto Alegre.

Por isso, acho que a propositura do Sr. Ver. Isaac Ainhorn, confortada por todas as Bancadas e membros desta Casa, apenas ratifica não só a justeza da medida mas, sobretudo, a gratidão que a Casa tem com a homenageada por serviços a Ela prestados e, conseqüentemente, à cidade. Assim, permita-me agradecer a tantos quantos aqui estiverem presentes e dizer do nosso orgulho em termos, na nossa Cidade, a Cidadã Emérita Evelyn Berg Ioschpe. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Estão encerrados os trabalhos da presente Sessão.

 

(Levanta-se a Sessão às 18h12min.)

 

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